sexta-feira, 11 de maio de 2012

Três Metáforas Enganosas


Antes de apresentar esse maravilhoso texto, preciso esclarecer que, apesar do autor falar diretamente sobre a “escola”, não é meu intuito atacar as instituições escolares. A grande crítica do artigo abaixo não é, necessariamente, contra a escola em si, mas à mentalidade representada nas “Três Metáforas”. Inclusive, precisamos considerar muito bem isso, pois esse tipo de pensamento pode estar completamente arraigado em nós, mesmo que ensinemos em casa. Portanto, peço que leiam o texto, não se “enraivecendo” com a escola, mas fazendo uma auto-análise para compreender se esses pressupostos equivocados sobre a aprendizagem não estão presentes em suas próprias vidas...


Texto retirado do livro “Aprendendo o Tempo Todo” de John Holt
O que fazemos em nossa vida e em nosso trabalho é, muito mais do que podemos perceber, influenciado por metáforas, imagens que levamos em nossa mente sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar. Frequentemente elas são mais reais para nós do que a própria realidade.
A educação formal é governada e dominada por três metáforas particulares. Alguns educadores estão mais ou menos conscientes de que seu trabalho é guiado por tais metáforas. Outros não têm a menor consciência disso. E outros, ainda, podem até chegar a negar vigorosamente sua influência. No entanto, conscientes ou não, elas têm determinado amplamente o que a maioria dos professores faz na escola.
A primeira dessas metáforas apresenta a educação como uma linha d montagem em uma fábrica de enlatados ou engarrafados. Penduradas nas esteiras estão filas de recipientes vazios de diferentes formas e tamanhos. Ao lado delas, uma série de aparelhos de esguichar, controlados pelos empregados da fábrica. À medida que os recipientes passam, os empregados esguicham em seu interior variadas quantidades de diferentes substâncias – leitura, ortografia, matemática, história, ciências.
No andar de cima, os gerentes decidem quando os recipientes devem ser postos na esteira, quanto tempo devem ser deixados nela, que tipo de substâncias devem ser postos neles de cada vez e o que deve ser feito com aqueles recipientes cujas aberturas parecem ser menores do que as de outros e com aqueles que parecem não possuir nenhuma abertura.
Quando discuto essa metáfora com professores, muitos riem e parecem achá-la absurda. Mas basta que leiamos as últimas propostas de melhoria da educação para ver como ela domina ainda as concepções dos reformadores. Efetivamente, todos os relatórios oficiais continuam a dizer que devemos ter tantos anos de português, outros tantos de matemática, outros de língua estrangeira, mais outros de ciências. Em outras palavras, devemos esguichar português nos recipientes por tantos anos, matemática, por outros tantos, e assim por diante. O pressuposto é que qualquer coisa que se esguiche no recipiente entrará nele e, uma vez em seu interior, ali permanecerá.
Parece que ninguém faz a óbvia pergunta: Como é que tantos recipientes saem da fábrica vazios, se receberam todas as substâncias que foram esguichadas neles por tantos anos? Diante de um século de experiência que os contradiz, os educadores ainda se agarram à noção de que ensinar produz aprendizagem e, logo, à convicção de que, quanto mais se ensina, mais se aprende. Nenhum dos relatórios que li sobre as propostas de reforma educacional levanta questões sérias sobre esse pressuposto. Se os alunos não sabem o suficiente, é porque não começamos a esguichar cedo suficiente (aos 4 anos, por exemplo), ou porque não esguichamos a coisa certa ou a quantidade suficiente dela (vamos restringir ou especificar mais o currículo).
Uma segunda metáfora retrata os alunos na escola como ratos de laboratório em uma gaiola, sendo treinados para fazer algum tipo de truque. Na maioria das vezes, um tipo de truque que nenhum rato na vida real teria qualquer razão para fazer. Põe-se, por exemplo, o rato em um lado da gaiola e, no outro, um triângulo e um círculo. Se o rato pressiona a figura “certa” - aquela que o experimentador quer que ele pressione –, lá vem uma saborosa recompensa. Se o rato pressiona a figura “errada”, a indesejada, recebe um choque elétrico. De acordo com John Goodlad, da Escola de educação da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, assim era o ensino nas escolas, na vidada do século XIX para o XX. Digo que assim é o ensino ainda hoje: tarefa, recompensa, choque. No lugar de recompensas e choque leiam-se promessas e ameaças, ou “reforço positivo” e “reforço negativo”.
Os reforços positivos na escola são sorrisos dos professores, medalhas, notas altas nos boletins, classes especiais e, no fim, o ingresso em faculdades prestigiadas, a conquista de bons empregos, trabalhos interessantes, dinheiro e sucesso. O reforço negativo são reprimendas raivosas, sarcasmo, desprezo, humilhação, vergonha, o riso derrisório das outras crianças, as ameaças de fracasso, de ficar para trás, de ser expulso da escola. Para muitas crianças desafortunadas, os reforços negativos incluem castigos físicos. Ao fim dessa linha, estão a admissão em faculdades de segunda ou terceira categoria ou a impossibilidade de cursas uma faculdade, o desemprego ou empregos ruins, trabalho duro, pouco dinheiro ou absoluta pobreza.
A terceira metáfora é, talvez, a mais destrutiva e perigosa de todas. Apresenta a escola como um hospital para alienados mentais. As escolas, de alto ou baixo nível, têm operado sob a regra, maravilhosamente conveniente para elas, de que quando ocorre a aprendizagem o crédito é delas: “Se você pode ler, agradeça a um professor”, e de que quanto não ocorre aprendizagem, a culpa é dos alunos. Em uma escola de ensino fundamental muito bem cotada, um professor veterano chegou a afirmar: “Se as crianças não aprendem o que ensinamos, é porque são preguiçosas, desorganizadas ou têm distúrbios mentais”. À exceção de uns poucos professores, a maioria concordou com ele.
Mais recentemente, no entanto, os educadores encontraram outra explicação para a não-ocorrência de aprendizagem: “deficiências de aprendizagem”. Essa explicação se tornou popular porque oferecia um argumento a todos os envolvidos nesse assunto. Pais de classe média necessitados de se livrar da culpa pelo fracasso dos filhos puderam parar de perguntar “O que fizemos de errado?”. Os especialistas lhes dizem: “Vocês não fizeram nada de errado; o problema é só o fato de que seu filho tem uns parafusos soltos na cabeça”. Podia-se dizer aos que, já com certa ira, cobravam às escolas que “fizessem seu trabalho e ensinassem algo às crianças”: “Sinto muito, mas nada podemos fazer; seu menino tem deficiências de aprendizagem”.
Crianças de apenas 5 ou 6 anos, quase sempre em seus primeiros dias de escola, são submetidas a baterias de testes “para descobrir o que está errado com elas”. A algumas, inclusive, os professores dizem para que servem os testes. Uma parte substancial da pseudo-ciência da pedagogia consiste agora em listar e descrever essas “doenças”, os testes que supostamente as diagnosticam e as atividades que são planejadas para tratá-las – mas quase nunca para curá-las.
A “pesquisa” que está por trás desses rótulos é muito tendenciosa e nada convincente. Alguns anos atrás, em um grande congresso de especialistas em deficiências de aprendizagem, perguntei se alguém já tinha ouvido falar – não feito, apenas ouvido falar – de pesquisas ligando déficits de percepção com estresse. Num auditório de quase 1.100 pessoas, duas levantaram a mão. Um homem afirmou, então, saber de uma pesquisa na qual alunos em que se supunham graves déficits de aprendizagem foram colocados em uma situação relativamente livre de estresse, e suas deficiências logo desapareceram. O outro que levantara a mão relatou-me depois uma experiência familiar.
Nossa terceira metáfora, como as duas primeiras, apresenta uma imagem falsa da realidade. As escolas trabalham com o pressuposto de que as crianças não estão interessadas em aprender e de que, na verdade, não são boas mesmo nisso. Crêem que as crianças não aprenderão nada a não ser o que preparamos para que aprendam, a não ser que lhes mostremos como aprender. E acreditam que o modo de fazê-las aprender é dividindo os conteúdos a serem aprendidos em uma sequência de tarefas miúdas que deverão ser dominadas uma de cada vez, cada qual com sua recompensa apropriada e com seu apropriado choque. E quando esse método não funciona, as escolas entendem que há algo errado com as crianças. Algo que se deve diagnosticar e tratar.
Todos esses pressupostos são falsos. Se você sai de Chicago para ir a Boston, e pensa que Boston está a oeste de Chicago, quanto mais longe você for, pior será, porque mais distante estará de seu destino. Se seus pressupostos estiverem errados, suas ações também estarão, e quanto mais você trabalhar duro em seu objetivos, pior será.
O fato facilmente observável é que as crianças são apaixonadamente ávidas por aprender, para extrair tanto sentido do mundo a seu redor quanto lhes seja possível. Elas são extremamente boas nisso. E o fazem como os cientistas, isto é, criando conhecimento a partir da experiência. As crianças observam, interrogam-se, descobrem e em seguida testam as respostas que constroem para as perguntas que fazem a si mesmas. Quando estão realmente à vontade para aprender, e não coagidas a fazê-lo, continuam a fazer mais e mais e ficam cada vez melhores nisso.
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