terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Práticas de um Lar Aprendiz

Através deste artigo pretendo dar algumas dicas práticas do que você pode fazer para transformar sua casa em um lar aprendiz.
A primeira dica já foi dada no artigo “Um Lar Aprendiz”, e se resume à seguinte frase:

Torne-se um aprendiz
Não vou gastar muito tempo falando sobre isso novamente, mas gostaria de relembrar a conclusão do artigo supracitado: desescolarizem-se e se tornem verdadeiros aprendizes naturais. Isso será maravilhoso para vocês, e determinará o sucesso da Educação Domiciliar de seus filhos.
A segunda dica que ofereço é a seguinte:

Aproveite todos os momentos do dia-a-dia para ensinar
Toda hora é hora de aprender. Se você está cozinhando, limpando a casa, dando banho no cachorro, assistindo TV... Não importa: enquanto realiza essas atividades, ao mesmo tempo, pode estar conversando, orientando, ensinando seus filhos.
Muitos pais se preocupam por não ter tempo para ensinar os filhos devido inúmeras outras atividades que precisam ser feitas em casa. Ora, mas não é justamente esse o espírito do homeschooling: ensinar no quotidiano familiar? Então, aproveite cada momento para fazer isso.
Utilizando um gerundismo justificado, devemos estar ensinando a todo momento. Enquanto estivermos sentados, enquanto estivermos de pé, enquanto caminhamos, enquanto trabalhamos... Seja em casa, em um passeio, em uma visita ou no caminho para esta, todo momento é oportuno para ensinarmos algo intelectual, acadêmico, filosófico, moral, espiritual, ético, emocional, social...
Todo tempo é tempo de aprender!!!
Uma terceira sugestão que lhes dou é a seguinte:

Aproveite os interesses e a curiosidade
Mas, atenção! O que vou descrever a seguir é algo que deve ser feito no quotidiano familiar e não precisa, necessariamente, reger o momento oficial de instrução do aluno domiciliar. Tentar aplicar essa sugestão em sua totalidade ao momento específico de estudo da criança pode causar alguns problemas sérios.
O sentimento que dispara todo o processo natural de aprendizagem é a curiosidade. Tudo, absolutamente tudo o que realmente aprendemos depende de um estado inicial de interesse. Se você não tiver interesse por alum assunto, por mais que estude sobre ele, posso lhe garantir: você não vai aprender. Talvez você decore algumas informações por um curto período, mas não haverá aprendizado real.
Neste sentido, devemos aproveitar ao máximo as demonstrações de curiosidade e/ou interesse de nossos filhos. A curiosidade deles pode (e deve) ser utilizada como o disparador de uma reação educacional em cadeia que levará a muitos outros aprendizados e ao desenvolvimento de inúmeras habilidades/competências.
Quando seu filho lhe fizer uma pergunta, evite simplesmente dar uma resposta pronta, curta e direta. Você até pode informar parte da resposta para saciar a curiosidade momentânea de sua criança, mas, além disso, busque utilizar essa dúvida/curiosidade para criar projetos e atividades (individuais ou coletivas) através das quais o aprendizado relativo a esse tema possa ocorrer de forma mais ampla.
Não encare uma pergunta meramente como uma pergunta, mas como um potencial primeiro passo de uma longa caminhada que atravessará toda sorte de conhecimentos e experiências valiosas para o seu lar aprendiz.
Vejamos alguns exemplos de perguntas que as crianças podem fazer e que poderiam muito bem gerar uma grande quantidade de atividades educativas:

  1. O que o presidente faz?
  2. Por que a gente não enxerga o ar?
  3. Como é que o avião voa se ele é tão pesado?
  4. Por que aqui não neva igual no desenho animado?
  5. O que é “Estados Unidos”?
  6. O que o senhor faz no trabalho? Por que tem que ficar fora o dia todo?
  7. De onde vem o leite?

É claro que essas perguntas são somente uma amostra mínima do que pode surgir em sua casa – afinal, as crianças são uma fonte sem fim de criatividade e curiosidade. Vocês que têm filhos podem testemunhar muito melhor do que eu como algumas questões levantadas pelos pequeninos são espantosamente engenhosas e inesperadas – e é justamente essa fertilidade das perguntas produzidas pela mente extremamente plástica das crianças que aumenta infinitamente o potencial educativo do processo pelo qual a dúvida será sanada.
Para dar um exemplo de como você pode trabalhar essas perguntas, utilizemos a questão 7: “De onde vem o leite?”. Essa é uma pergunta que eu mesmo já fiz quando criança – lembro-me muito bem disso, e que a próxima pergunta foi: “Onde fica a fábrica de ovos?”. Mas, memórias à parte, essa é uma pergunta que pode gerar um processo educativo muito mais extenso e amplo do que podemos imaginar...
Primeiramente, você poderá propôr uma pesquisa em livros/sites que expliquem como o leite é formado. Pode ser uma pesquisa individual da criança, ou você pode pesquisar junto com ela – esta última sugestão é ideal caso você mesmo não tenha certeza de como se dá esse processo.
A partir dessa pesquisa, você pode focalizar no estudo dos mamíferos (biologia), ou da produção agrícola de leite (geografia). No caso da produção agrícola, você pode trabalhar a questão do custo de compra e venda do leite (matemática) e, até, de seu desenvolvimento através dos tempos (história). Durante todo esse processo, você poderá propor atividades que envolvam escrita, leitura, produção artística, oratória, encenação, etc. Enfim, todas as disciplinas poderão, em níveis diferentes, ser envolvidas no processo de responder àquela simples pergunta que disparou a reação educacional em cadeia.
É muito provável que essas atividades despertem a curiosidade/interesse de seus filhos por outras coisas, tais como: animais, vegetais, ambiente agrícola (fazendas), modos de produção, etc. E isso é excelente, pois lhe proporcionará um leque imenso de outros temas que poderão ser trabalhados juntamente com outras atividades, permitindo o aprendizado de outras informações e o desenvolvimento de outras habilidades/competências.
Na verdade, partindo de interesses de seus filhos e tendo em mente os conhecimentos que ele precisa adquirir, facilmente você conseguirá conteúdo para trabalhar meses!
Entretanto, preciso voltar ao alerta que fiz no início deste tópico: partir do interesse da criança, apesar de ser extremamente necessário, não poderá ser aplicado em sua totalidade no momento específico e oficial de estudos diários do aluno domiciliar. O quotidiano é muito rico ao nos apresentar possibilidades de aprendizado. Entretanto, ao contrário do que muitos defendem, não creio que tudo o que um sujeito precisa aprender irá surgir naturalmente em seu dia-a-dia. Muitos conhecimentos precisarão ser introduzidos de forma intencional pelos pais, da mesma forma que muitas habilidades/competências precisarão ser ensinadas independentemente do que for se apresentando de forma espontânea na vida da criança.
Obviamente, podemos aproveitar alguns interesses e curiosidades do filho-aluno para escolher temas a serem trabalhados no momento oficial de estudo – isso será possível muitas vezes! Mas, mesmo assim, defendo a tese de que nem sempre haverá conciliação entre o interesse da criança e sua necessidade de aprendizado.
Quando falo em aproveitar os interesses da criança, me refiro muito mais ao dia-a-dia, aos projetos “extracurriculares” que serão realizados paralelamente ao estudo “formal” do aluno domiciliar.
Agora, com certeza, alguns devem estar se perguntando: “Mas, se só aprendemos quando temos interesse em algo, como uma criança irá aprender no momento oficial se não estivermos partindo de sua curiosidade ou interesse por algo? Você não está se contradizendo?”. De forma alguma... Explico: o que afirmei é que nem sempre poderemos ter como ponto de partida um interesse previamente existente na criança. Entretanto, nesses casos, devemos estimular o interesse do aluno domiciliar por um tema intencionalmente proposto por nós. E é neste sentido que vem minha última dica:

Crie situações de interesse
É necessário que vocês, pais, visualizem o que seus filhos precisam aprender em termos de informação e habilidades/competências e produzam situações nas quais os alunos domiciliares tenham contato e, de alguma forma, se interessem pelos conteúdos que lhes são necessários.
Isso pode ser feito através de leituras direcionadas, vídeos educativos, visitas a mostras e exposições, conversas, etc.
Sempre que possível, devemos estimular a curiosidade e o interesse de nossos filhos por aquilo que lhes é necessário mas que, por algum motivo, não tem surgido naturalmente.
Durante sua vida, a criança irá se deparar inúmeras vezes com atividades que lhe serão impostas como obrigação sem, contudo, haver qualquer interesse de sua parte para com isso. Nesses momentos, o sujeito precisará ser capaz de descobrir algo interessante no que lhe foi imposto – afinal, somente assim fará um trabalho bem feito. E é por conta disso que se torna imperativo educarmos nossas crianças para que possam ver “algo” interessante até mesmo em temas e/ou conteúdos que não sejam naturalmente de seu interesse.
Não estou falando em obrigar a criança a aprender o que não quer, mas de levar o sujeitinho a perceber que há algo de interessante em tudo – a diferença está em como olhamos para essa “coisa”.
E essa é uma lição que, talvez, todos nós tenhamos que aprender primeiro...

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Um Lar Aprendiz

No artigo “(Re)Educando os Pais em Casa” tratamos da necessidade dos pais se desescolarizarem para que o processo de Educação Domiciliar seja possível e produtivo em sua plenitude. Durante o texto, em certo ponto, comentei o seguinte: “Não tentem mimetizar em suas casas o ambiente escolar. Ao invés disso, construam em seus lares um ambiente de aprendizagem”. E, neste artigo, vamos tratar justamente desse tema: o que é um “ambiente de aprendizagem”? E como podemos construir um em nossos lares?
Em primeiro lugar, preciso avisar que poderá ser bastante difícil compreender plenamente o funcionamento de um ambiente de aprendizagem, uma vez que fomos instruídos, justamente, em instituições escolares que, em sua maioria, são organizadas na contramão da aprendizagem natural. Com certeza, enquanto você estiver lendo este artigo, inúmeras dúvidas poderão surgir. Porém, mais do que as dúvidas, o que será mais comum a todos, ao meu ver, será um sentimento de insegurança quanto ao que estará sendo proposto aqui. Essa insegurança vem, não porque a proposta em si possui falhas, mas porque estaremos sendo estimulados a sair de nossa “zona de conforto”. Criar um ambiente de aprendizagem em nossos lares implica em abandonarmos a segurança e rotina de uma educação artificial cinzenta para explorarmos de forma livre e desprotegida os vários caminhos da coloridíssima educação natural. E quando digo “desprotegida”, não quero dizer “perigosa”, mas sim: uma educação que não possui as paredes e correntes impostas para nos impedir de aprender mais do que deveríamos.
Dito isso, passemos a algumas respostas às perguntas que devem estar pairando sobre sua cabeça...
Quando me refiro a um “ambiente de aprendizagem”, não estou tratando meramente de um local físico onde ocorre algum tipo de aprendizagem... De fato, as crianças estão aprendendo o tempo todo e, neste sentido, qualquer ambiente é um ambiente de aprendizagem. Mas, gostaria de extrapolar o sentido básico dessa expressão e utilizá-la como uma referência à construção de uma rotina quotidiana na qual o processo de ensino-aprendizagem intencional é constante e perpassa múltiplas atividades familiares.
Isso quer dizer que, no dia-a-dia, a família toda está envolvida em atividades que, de uma forma ou outra, estimulam ou proporcionam o ensino e o aprendizado de algum tipo de conhecimento e/ou a aquisição de alguma habilidade/competência.
Um lar que possui essa característica – de aproveitar ao máximo o potencial educativo das atividades quotidianas – se converte em um ambiente de aprendizagem que poderíamos chamar de lar aprendiz. “Lar” porque não nos referimos à estrutura física que chamamos de casa, moradia, mas ao ambiente de convívio da família; e “aprendiz” porque, como veremos em breve, todos os membros constituintes do lar estão constantemente envolvidos no processo de aprender.
Em um lar aprendiz, não é somente o filho (aluno domiciliar) que estuda, pesquisa e aprende. Ele é apenas “um dos”. Talvez seja o mais inexperiente, ou o que necessita de mais instrução – talvez... e apenas talvez... Mas, definitivamente, não é o único aprendiz. Em um lar aprendiz, todos os membros da família são aprendizes e, em níveis diferentes, estão constantemente aprendendo.
Quando tratamos de Educação Domiciliar, sempre falamos sobre “filhos-alunos” (ou: “alunos domiciliares”) e “pais-mestres” (ou: “professores domiciliares”). Entretanto, na mesma medida, deveríamos falar sobre o “lar aprendiz” – afinal, a construção desse tipo de ambiente é MUITO mais importante para o sucesso da Educação Domiciliar do que o material didático utilizado ou a capacitação dos pais. Ao transformar sua casa em um lar aprendiz, você está fazendo com que sua família pratique a aprendizagem como um processo tão necessário e natural quanto se alimentar ou realizar higiene pessoal.
Como é de conhecimento de todos, para que uma criança aprenda a falar basta estar em um ambiente que fala – ou seja, com sujeitos que utilizem a habilidade de falar e o incentivem a fazer o mesmo. Para que uma criança aprenda a andar, basta estar em um ambiente que anda. Da mesma forma, para se tornar um verdadeiro homo sapiens – humano que sabe/aprende – , a criança só precisa estar em um ambiente em que se aprende, e ser estimulada a isso.
Utilizar uma material didático de qualidade e receber apoio pedagógico, com certeza, são fatores que facilitam muito o processo de Educação Domiciliar. Entretanto, criar um ambiente de aprendizagem em seu lar faz com que essas coisas se tornem secundárias. O (necessário) momento oficial de estudos se torna apenas “um” dos momentos de aprendizado, pois o conhecimento é o bem de troca mais utilizado por uma família moradora de um lar aprendiz.
Se você me permite sugerir uma proposição para os próximos meses, é a seguinte: transforme sua casa em um ambiente de aprendizagem, em um lar aprendiz.
Mas, como você pode fazer isso?
Em primeiro lugar, se ainda não fez, comece a se desescolarizar... Deixe de pensar que a qualidade do aprendizado depende do volume de informações, ou que “preparar para a vida” é enfiar a mais variada gama de assuntos na cabeça... Busque ter prazer em aprender.
Isso parece loucura? Pois não é... Isso pode ser chocante, mas você gosta de aprender e não sabe! Deixe-me provar... Responda a essas perguntas:


  1. Você gosta de ler jornal e/ou revistas?


  1. Você gosta de ficar “fuçando” na internet?


  1. Você gosta de “fofocas”, saber o que acontece com artistas e outras figuras públicas?


  1. Você discute/argumenta sobre esportes, política, negócios, etc.?


  1. Você gosta de ouvir/ler histórias (reais ou fictícias)?


Se sua resposta foi afirmativa para, pelo menos, uma dessas perguntas, alegro-me em lhe informar que você gosta de aprender. O que acontece é que todos nós fomos forçados a aprender coisas que não faziam sentido nem nos interessavam e, por isso, tendemos a ter repulsa pela ideia de estudar, pesquisar ou, meramente, aprender.
Apesar de nossa resistência natural à ideia de aprender, o desejo de conhecer e nos desenvolver é natural e está dentro de nós – em alguns está mais escondido do que em outros, mas está em todos. Sendo assim, para construir um lar aprendiz, você precisa começar liberando esse prazer natural pela aprendizagem que vem sendo suprimido através dos anos. Não tenha medo de aprender... APRENDA!!!
Modifique sua rotina para que possa ter um tempo de aprendizado pessoal todos os dias. Ao mesmo tempo, se organize para ter um tempo de aprendizado coletivo – com todos os demais membros de sua família. Ambos os momentos poderão ser dedicados a:


  • Pesquisar sobre algum assunto;
  • Ler algum livro ou texto;
  • Debater sobre algum tema;
  • Assistir a um documentário ou filme educativo;
  • Etc.


O conteúdo utilizado como “matéria-prima” desses momentos não precisa ser, necessariamente, acadêmico e/ou científico, mas pode ser:


  • Religioso/Espiritual;
  • Filosófico/Ideológico;
  • Político;
  • Moral/Ético;
  • Profissional;
  • Quotidiano;
  • Etc.


O importante é que haja estudo, pesquisa, debate, divulgação... Enfim: ensino e aprendizagem.
Também sugiro que você separe um pouco de seu orçamento mensal para comprar livros, revistas, vídeos e qualquer outro material que possa ser instrutivo para você e sua família. Comece comprando materiais que tratam de coisas que despertem interesse genuíno e, posteriormente, você notará que seu interesse por outros assuntos relacionados irá aumentar exponencialmente.
Quando você tiver alguma dúvida sobre uma notícia no jornal, quando ouvir uma palavra nova, ouvir falar de algum personagem que não conhece, não fique parado... Pesquise mais sobre isso! Não seja preguiçoso, mas seja curioso!
Por mais inútil que possa parecer uma informação, o simples fato de você ir atrás de mais conhecimento irá estimular sua curiosidade natural e seu prazer em aprender.
Vivemos em uma era em que a informação está extremamente acessível de diversas formas, em diferentes linguagens para que qualquer um possa acessá-la. Não há justificativa para ficarmos inertes e não aprendermos mais – mesmo que seja, inicialmente, em “doses homeopáticas”.
Se vocês, enquanto pais, forem seres pesquisadores, aprendizes reais, não será necessário um esforço tão grande para que seus filhos também o sejam. Estar em um ambiente de aprendizagem é mais do que o suficiente para que as crianças se tornem seres que aprendem naturalmente – e o exemplo dos pais é determinante nesse processo.
Para finalizar, volto a exortar todos vocês: desescolarizem-se e se tornem verdadeiros aprendizes naturais. Isso será maravilhoso para vocês, e determinará o sucesso da Educação Domiciliar de seus filhos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

(Re)Educando os Pais em Casa

Em geral, quando uma família escolhe tirar seus filhos da escola e ensiná-los em casa, os pais tendem a se preocupar bastante com as dificuldades que haverão para que o “aluno escolar” se transforme em um “aluno domiciliar”. Muitas vezes, receamos que será difícil para a criança se desligar do modelo institucional de instrução e se adaptar à rotina da Educação Domiciliar. Entretanto, tenho que afirmar que esse temor é um tanto exagerado e, em sua essência, focaliza o sujeito errado. Explico: a criança e o adolescente são seres muito maleáveis e adaptáveis. Por mais que possam haver algumas dificuldades e empecilhos no começo, rapidamente os educandos se adaptarão totalmente à realidade de um aprendizado no lar. Por outro lado, quem realmente pode ter dificuldades para se desescolarizar são os próprios pais.
A “desescolarização” pode ser entendida por muitos como um movimento, uma ideologia/filosofia ou, até, como um método educacional. Entretanto, neste artigo uso essa palavra como “o processo pelo qual alguém se desliga do modelo escolar de educação com o fim de aplicar algum tipo de substituto a ele”. Neste sentido, pode ocorrer dos próprios pais terem dificuldade para abandonar a “forma escolar” quando passam a instruir seus filhos em casa.
Como isso pode se manifestar? De várias formas... Uma das mais comuns é o que chamo de “Síndrome do Pavor Curricular Súbito”. Apesar desse nome, não me refiro a uma patologia, mas a um comportamento que já vi repetir-se diversas vezes em pais que decidem aplicar a educação domiciliar: em um primeiro momento, os pais sentem-se fortemente impelidos a ensinar seus filhos em casa e, num rompante de convicção, tiram as crianças da escola. Entretanto, quando as coisas começam a “esfriar” e os progenitores começam a pensar no “como” ensinar em casa, subitamente são inundados por um profundo medo de não conseguirem dar conta de transmitir a seus filhos todo o conteúdo curricular apresentado pelas instituições escolares. Esse grande medo de não suprir as necessidades informativas dos filhos é o que chamo de Síndrome do Pavor Curricular Súbito.
Alguns dos pensamentos que podem acompanhar esse pavor são:


Como vou poder ensinar meu filho disciplinas específicas e complexas, como física e química?”


Não terei tempo para fazer todas as minhas tarefas e, ainda, passar todo o conteúdo que uma escola passaria!”


Não vou conseguir ensinar muita coisa para os meus filhos, pois nunca fiz faculdade”


Quero ensinar meus filhos em casa, mas tenho medo deles ficarem 'pra trás', não aprendendo tanto quanto as crianças que estudam na escola”


Se houvesse material didático específico para Educação Domiciliar daria tudo certo, mas como posso ensinar minhas crianças se não há material no Brasil?”


Tenho medo que meu filho não consiga entrar numa faculdade ou arranjar um emprego por ter sido ensinado em casa”


Você já teve algum desses pensamentos? Creio que a maioria já teve...
É normal ter esse tipo de sentimento pois todos nós que não fomos ensinados em casa possuímos uma “mente escolarizada”. Não vou debater aqui se isso é bom ou ruim, mas o fato é que o único modelo educacional e o único currículo aos quais fomos expostos foram os escolares. Por conta disso, sempre que pensamos em instrução formal, remetemos à única referência que existe em nossos cérebros: a escola.
Um dos fatos mais simples e puros com relação à educação é que o modelo escolar simplesmente não se encaixa com a Educação Domiciliar. É total e completamente impossível se “transplantar” pedaços da educação escolar para a domiciliar. Simplesmente não funciona!!!
A forma como a instrução ocorre em uma instituição escolar foi concebida tendo como base o contexto e os objetivos dessa instituição. Uma vez que o contexto da Educação Domiciliar é completamente diferente, torna-se incoerente e, por que não, inviável a utilização de currículos, materiais e conteúdos escolares em sua plenitude – alguns desses elementos podem ser utilizados em partes, mas nunca na íntegra.
Por conta disso, volto a afirmar: mais do que as crianças, são os pais que mais precisam ser desescolarizados.
São os pais que precisam ser reeducados para que percebam que não precisam reproduzir em casa toda a metodologia da escola, abrangendo todo o seu conteúdo e suas atividades. Com efeito, a Educação Domiciliar não é (e não pode ser) uma escola cujas aulas acontecem em casa! A diferença entre a educação escolar e a domiciliar não se restringe ao locus educacional, mas abrange as esferas ideológica, filosófica, metodológica, pedagógica, psico-afetiva e tantas outras!
Pais, se querem um bom conselho, este é o que lhes ofereço: desescolarizem suas mentes! Não tentem mimetizar em suas casas o ambiente escolar. Ao invés disso, construam em seus lares um ambiente de aprendizagem (falaremos mais sobre isso em outro artigo).
Afinal, se tentarmos competir com a escola, iremos cometer os mesmos erros que ela.
Para encerrar, gostaria de deixar minhas respostas particulares para os pensamentos que podem surgir decorrentes da Síndrome do Pavor Curricular Súbito:


Como vou poder ensinar meu filho disciplinas específicas e complexas, como física e química?”
Resposta: Lembre-se que uma das grandes vantagens da Educação Domiciliar é, justamente, desenvolver o autodidatismo. Com o passar do tempo seus filhos estarão aptos a pesquisar sozinhos sobre esses conteúdos mais densos e específicos. Além disso, essas disciplinas tendem a se tornar complexas na adolescência, o que lhe dá um bom tempo para pesquisar e aprender mais sobre isso. Por fim, mesmo que você não tenha um conhecimento total sobre alguns conteúdos, será uma boa oportunidade para você e seus filhos pesquisarem juntos – o que é ideal para um ambiente em que o aprendizado faz parte do dia-a-dia de TODA a família.


Não terei tempo para fazer todas as minhas tarefas e, ainda, passar todo o conteúdo que uma escola passaria”
Resposta: Você não precisa ter uma carga horária diária equivalente à escola. Uma vez que você aproveita situações do dia-a-dia para ensinar e orientar suas crianças, o tempo dedicado para uma instrução mais individual e direciona pode ser bem menor. Além disso, você pode orientar seus filhos enquanto faz o almoço, limpa a casa, etc. E lembre-se: muita coisa eles podem (e devem) fazer sozinhos.


Não vou conseguir ensinar muita coisa para os meus filhos, pois nunca fiz faculdade”
Resposta: Em primeiro lugar, ter uma graduação não garante que alguém consiga ensinar bem. Em segundo lugar, fazer uma faculdade permite que uma pessoa receba muita informação sobre uma área profissional específica em detrimento de outras. Dessa forma, um contador pode ter facilidade com matemática, mas, como irá ensinar ciências ou geografia? Em terceiro lugar, como já falei anteriormente, você não precisa saber tudo, mas deve ter dedicação em estudar para aprender mais também – lembre-se sempre do ambiente de aprendizado que sua casa deve ser.


Quero ensinar meus filhos em casa, mas tenho medo deles ficarem 'pra trás', não aprendendo tanto quanto as crianças que estudam na escola”
Resposta: O primeiro erro aqui é achar que o currículo da escola é mais completo. Na verdade, o volume de conteúdo na educação escolar, sem dúvida, será maior do que o do ensino doméstico. Entretanto, volume de conteúdo não é sinônimo de desenvolvimento de competências/habilidades. Você pode muito bem ensinar seus filhos em casa com menos conteúdos e, mesmo assim, desenvolver neles as competências e habilidades necessárias para que tenham uma vida plena. Neste sentido, também tenho que dizer que a atitude pesquisadora e a naturalização do aprendizado proporcionadas pela Educação Domiciliar fazem com que os alunos domiciliares estejam aptos a concorrer com qualquer outro jovem ensinado na escola sem problema algum. De fato, as estatísticas mostram que, mesmo com menor volume de conteúdo, os alunos domiciliares tendem a ter vantagem nessa “competição”.


Se houvesse material didático específico para Educação Domiciliar daria tudo certo, mas como posso ensinar minhas crianças se não há material no Brasil?”
Resposta: Ter um material didático específico para a Educação Domiciliar realmente facilita consideravelmente o trabalho de se ensinar em casa. Porém, não devemos supervalorizar essa ferramenta de ensino. Na Educação Domiciliar é plenamente possível (e totalmente saudável) adaptar materiais destinados a outras modalidades educacionais. Na realidade, qualquer material pode ser utilizado de forma satisfatória desde que os pais façam isso de forma planejada, avaliando as melhores opções e realizando as adaptações necessárias. Além disso, sempre há a possibilidade dos pais buscarem materiais na internet ou, por que não, produzirem seus próprios materiais, exercícios, atividades, etc.


Tenho medo que meu filho não consiga entrar numa faculdade ou arranjar um emprego por ter sido ensinado em casa”
Resposta: Creio que a resposta a este pensamento ficou clara enquanto falávamos sobre as questões anteriores. Somente gostaria de complementar que, como a criança foi educada em um ambiente imerso na aprendizagem, se torna natural para ela estudar por conta própria os conteúdos, incluindo os que forem necessários para qualquer prova, teste, vestibular, etc. E, por fim, creio que não haveria pessoa melhor para preparar um sujeito para o mercado de trabalho do que os próprios pais, que já passaram por inúmeras experiências relativas a isso.
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