segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como não ser denunciado por ensinar em casa

Prefácio

Ao conversar com pessoas interessadas em educação domiciliar, uma das questões mais frequentemente levantadas se refere a como alguém deveria agir caso fosse denunciado por estar ensinando os filhos em casa. Diante disso, escrevi este texto para auxiliar e acalmar todos aqueles que estão ou estarão ensinando os filhos em casa, mas temem alguma represália por parte do Estado.
Espero que este material possa ser útil, e aguardo ansiosamente os comentários, críticas e sugestões relacionados a ele. Afinal, apesar de eu ser o autor deste texto, não sou o dono da verdade, e posso estar ignorando considerações importantes com relação aos pontos que abordo. Fiquem à vontade para compartilhar suas visões pois, assim, podemos nos ajudar mutuamente e trabalhar como uma grande equipe em prol da causa da Educação Domiciliar no Brasil.
Mania de perseguição
Antes de entrar nas dicas propriamente ditas, gostaria de tentar desfazer um mito que permeia a mente de quase todo adepto ou simpatizante do homeschooling... Esse mito diz respeito à ideia temerosa de que o Estado é uma entidade maligna que se mantém acordada dia e noite, procurando pais que estejam ensinando os filhos em casa para tirar as crianças deles, mandá-las para um orfanato e prendê-los na cadeia...
Sei que a imagem que descrevi é um pouco exagerada, mas parece que o medo principal de alguns pais é semelhante a isso.
Com efeito, o Governo NÃO ESTÁ por aí procurando pais que ensinam seus filhos em casa. Não há agentes secretos ou espiões indo de casa em casa para ver se as crianças estão nas escolas... O que há é um órgão governamental cuja função é zelar pelo bem-estar da criança – o Conselho Tutelar. Porém, esse órgão não trabalhar com vigilância ostensiva, ao contrário: depende, necessariamente, de denúncias.
Deixe-me usar um exemplo para clarear o que estou dizendo...
A polícia tem como função oferecer segurança à população. Para tanto, agem de forma reativa e preventiva. Reativa quando se trata de apurar denúncias, e preventiva ao policiar a cidade para evitar ocorrências. Já o Conselho Tutelar, tem um caráter extremamente reativo. É claro que esse órgão utiliza estratégias preventivas, mas, no que tange a interferir no cotidiano de uma família ou sujeito, é quase exclusivamente reativo. Diante disso, percebemos que o Conselho Tutelar só irá saber sobre e atuar junto a uma família com problemas caso um terceiro denuncie a irregularidade. E isso se aplica à Educação Domiciliar.
Então, aqui temos a primeira dica: se você está ensinando os filhos em casa, evite ser denunciado. Se você não for denunciado por alguém, não terá qualquer problema por ensinar seus filhos em casa.
Mas, talvez, você pense: “Mas, como eu posso evitar ser denunciado? Isso não está sob meu controle!”. Isso é verdade, mas, até certo ponto, podemos evitar problemas se agirmos corretamente.
Em certa ocasião, recebi um telefonema sobre uma família que estava acompanhando... Eles foram denunciados ao Conselho Tutelar por estar ensinando os filhos via homeschooling. Fiquei muito perturbado e fiz tudo o que podia para ajudar... No fim, tudo acabou bem, mas, ao entender melhor a história, descobri o porquê da denúncia: a mãe da família estava tão contente com o progresso dos filhos, que se gabava para toda a sua família sobre como seus filhos estavam aprendendo mais e mais rápido que as demais crianças. Realmente, a qualidade do aprendizado daquelas crianças era impressionante, mas “jogar isso na cara” das pessoas não adeptas da Ed. Domiciliar gerou um sentimento de menosprezo que culminou com a denúncia – neste caso, de membros da própria família!
Na situação descrita, o problema foi o homeschooling? De forma alguma! Mas, a atitude dos pais em relação à situação educacional de seus filhos foi o catalizador do problema. O orgulho pelo desempenho dos filhos gerou exaltação pública do mesmo, que gerou frustração e descontentamento por parte dos ouvintes, “dando à luz” uma denúncia.
Caso essa família tivesse sido mais cautelosa e discreta, tenho certeza que não surgiria qualquer problema.
Então, se você está ensinando os filhos em casa, seja cauteloso. Não fique anunciando o que está fazendo. Não precisa mentir ou ficar se escondendo dos fatos, mas, meramente, não dê informação gratuita sobre a educação de seus filhos. Se alguém perguntar sobre isso, pode falar, mas explique com calma e humildade. Exponha seus motivos, mas medindo as palavras para não soar como soberba nem como menosprezo daqueles que não fizeram a mesma escolha que você.
Agindo assim, você vai evitar denúncias. E, sem denúncias, o Estado não irá bater na porta para ver como estão seus filhos... Com efeito, se o Conselho Tutelar realmente fosse o “monstro” que pensamos, antes de caçar os homeschoolers, estaria indo atrás para ver se as crianças estão sendo bem alimentadas, se não estão sendo maltratadas, etc.
Não precisamos ter medo de um agente batendo em nossa porta, mas temos que ter medo do que nós mesmos podemos fazer para motivar alguém a nos denunciar.

Vendendo nosso peixe
Agora, pode ocorrer de você ser totalmente discreto e, mesmo assim, alguém te denunciar... Se você tiver uma atitude e postura correta isso será muito difícil, mas pode ocorrer. Nesse caso, como agir?
Primeiramente, após uma denúncia, um agente do Conselho Tutelar irá até a sua casa para averiguar se a denúncia procede. Receba-o bem, sem medo ou agressividade. Explique com calma a situação, usando bastante tempo para demonstrar como a Educação Domiciliar é uma modalidade aceita pelo mundo, mostrar o material que você usa, explicar como é a rotina de estudos dos seus filhos (horários, local de estudo, ações educativas, etc.) e colocar de forma clara e objetiva quais são os motivos que o levaram a optar por esse tipo de instrução.
Um cuidado interessante e funcional é você ter em mãos uma cópia física de documentos oficiais que afirmam ser o homeschooling uma modalidade não-proibida. Esses documentos afirmam que, apesar do ensino em casa não estar regulamentado, essa não é uma atividade ilegal (para baixar esses documentos, clique aqui).
Conheço casos em que famílias denunciadas fizeram exatamente isso: explicaram, mostraram como as coisas funcionam e entregaram uma cópia dos documentos a que me referi acima. Pronto! Não tiveram maiores problemas.
Se você for levado diante de um juiz, mantenha a mesma postura: explique tudo com detalhes e muita calma.
Mas, tanto ao falar com um agente quanto com um juiz, há um cuidado extremamente necessário: utilize argumentos consistentes à favor da Educação Domiciliar!!!
Por que isso é importante? Porque, se você analisar a maioria dos textos que defendem o homeschooling, irá perceber que a natureza principal dos argumentos não é, necessariamente, de apoio à Educação Domiciliar, mas de reprovação ao ensino escolar. Muitos defensores do homeschooling, quando questionados sobre sua opção, limitam-se a criticar e apontar as inúmeras falhas da escola. Com efeito, isso não é sábio, muito menos útil...
Quem trabalha com vendas sabe que uma das premissas básicas da concorrência é que o ofertante deve argumentar a favor de seu produto, e não contra o concorrente. Afinal, mostrar os pontos negativos do concorrente não garante que seu produto seja melhor ou que deva ser escolhido pelo cliente.
Muitas vezes, me coloco no lugar de um juiz... Estou analisando o caso de pais que ensinam seus filhos em casa e eles afirmam: “Meritíssimo, estamos ensinando nossos filhos em casa porque a escola tem um ensino ruim, há muita violência, imoralidade, etc”. Eu olharia bem para os pais e diria: “Ok. A escola é ruim. Mas, isso lhes dá o direito de ensinar seus próprios filhos? Certamente não. Se é esse o problema, procurem uma escola melhor”. Martelo batido, caso encerrado...
Temos que acordar para isso... Se queremos Educação Domiciliar SÓ porque a escola é ruim, então o Estado irá olhar para nós e nos prometer leis para melhorar a escola. E estarão certos, porque irão resolver o que apontamos como problema.
Há dezenas, centenas, talvez milhares de motivos para optarmos pelo homeschooling, então, porque sempre bater na mesma tecla da educação escolar ruim?
Caso você ainda não esteja convencido disso, olhe para essa questão por um outro ângulo...
Tanto o agente do Conselho Tutelar quanto o Juiz são representantes do Pode Público. Quando você fala, diante deles, que a escola é uma “porcaria” e que o Estado quer o monopólio da educação, está atacando justamente a entidade da qual a pessoa na tua frente é representante! Eu sei que não deveria ser assim em um mundo ideal, mas o fato é que aquele que está analisando a situação irá levar para o lado pessoal – ao criticar a escola e o Estado, você está atacando algo que ele considera próximo e próprio de sua pessoa.
Novamente me colocando no lugar do juiz e, por esse motivo, também optaria pela condenação.
Gostaria de uma prova concreta? Analise o áudio da Audiência Pública que ocorreu no ano passado sobre Educação Domiciliar no Brasil... Você irá perceber que o Deputado Wilson Picler, que nunca havia ouvido sobre Educação Domiciliar, começou a se interessar sobre o tema com certa simpatia. Porém, seu discurso parece mudar quando surgem argumentos contra a instituição escolar (para baixar o áudio completo, clique aqui). Seu instinto foi defender algo que valoriza (a escola).
Para termos homeschooling, não precisamos acabar com a escola! Ao contrário, devemos defender o direito de pais enviarem seus filhos para essa instituição se assim desejarem – e que esta tenha um ensino de qualidade!
Então, se você for interpelado sobre os motivos de ensinar os filhos em casa e não mandá-los para a escola, deixe de lado as críticas ao Estado e ao sistema escolar, e utilize um dos outros inúmeros e superiores argumentos. Vou enumerar alguns para que você possa pensar sobre eles:

  • acompanhamento do desenvolvimento da criança por parte dos pais;
  • participação efetiva dos pais na escolha “do que” e “como” ensinar;
  • possibilidade de se trabalhar as aptidões e dificuldades particulares da criança;
  • possibilidade de se adequar o currículo às concepções filosóficas e religiosas da família;
  • liberdade para se articular o tempo e o espaço dedicados à instrução;
  • adequação à escolha de se alfabetizar as crianças, primeiramente, em outras línguas;
  • desenvolvimento de autonomia intelectual;
  • etc.

Eu imagino que você deva ter inúmeros outros argumentos favoráveis a essa modalidade. Então, use-os. Defenda a Educação Domiciliar sem, diretamente, atacar a escolar.

Montando uma defesa sólida
Agora, vamos abordar quais argumentos podem ser utilizados caso um processo seja instaurado contra pais que não mandam seus filhos para a escola. Não sou advogado, nem jurista, portanto, posso estar equivocado em algum ponto. Caso alguém veja algum “furo” no que exponho aqui, por favor, me corrija.
Em primeiro lugar, vamos entender o que a Lei diz...
Tanto a Constituição Nacional quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) não proíbem o Ensino Domiciliar. Ambos os documentos tratam da educação afirmando que ela é direito de todos, e que o Estado e a família devem ser responsáveis pela efetivação da instrução necessária. A Constituição trata dos direitos universais e considerações gerais sobre o assunto, enquanto a LDB determina como o processo de ensino-aprendizagem deve ser efetivado pelo Poder Público. O único equívoco que pode surgir pela redação desses documentos é o fato da expressão “escola” ser utilizada como sinônimo de “instrução oficial”. Neste sentido, não é prevista qualquer obrigação de se mandar as crianças para a escola – mas sim, que se ofereça instrução elaborada e oficial para os pequeninos.
Em segundo lugar, vemos um problema no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)...
Nele é exigido que toda criança seja matriculada. Isto sim pode trazer maiores transtornos para os pais que ensinem seus filhos em casa. Porém, há também alguns mecanismos de defesa:

  1. O primeiro refere-se ao fato de que o ECA exige uma matrícula, não especificando de qual tipo ou em qual instituição. Dessa forma, quem tiver acesso a isso poderá matricular seus filhos em alguma instituição de homeschooling estrangeira. Essa matrícula irá saciar a exigência da lei;
  2. Caso não seja possível a matrícula em instituição de fora do país, pode-se tentar matricular a criança em uma escola particular que fique responsável por aferir os resultados do processo educativo, mas que o deixa nas mãos dos pais. Havendo o apoio de uma escola que acompanhe o Ensino Doméstico e se responsabilize pelo resultado, é possível manter-se dentro do que a lei exige – apesar disso depender da interpretação do juiz;
  3. Outro argumento forte é que a suposta exigência do ECA de se matricular uma criança necessariamente em uma escola (apesar do texto não dizer isso explicitamente) se mostra inconstitucional. Uma vez que a Constituição prevê que haja diversidade na educação (seja ela filosófica ou de ordem prática), nenhuma outra lei poderia restringir o tipo de instrução permitida no Brasil a uma só forma de ensinar. Desta forma, o texto do Estatuto não poderia ser interpretado como restringidor, mas apenas como regulador. A interpretação constitucional do texto do ECA seria que o educando precisaria, necessariamente, possuir um registro oficial garantindo que esteja recebendo algum tipo de educação elaborada, seja na escola, seja em casa. Desta feita, a lei estaria exigindo um registro legal, e não que a criança fosse mandada para a escola;
  4. Por fim, no mesmo sentido do argumento de interpretações não contraditórias, há o fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos determina que os pais têm o direito de optar pelo tipo de instrução a ser dado a seus filhos – direito este que está acima do Estado! Uma vez que a Constituição e, consequentemente, todas as leis que se submetem a ela devem, necessariamente, estar em acordo com a Declaração Universal, a interpretação de qualquer lei deve levar em consideração a soberania dos pais na escolha de qual modalidade utilizar para transmitir conhecimento aos seus filhos.

Um terceiro ponto é relativo ao muito comentado crime de abandono intelectual. Alguns pais foram acusados desse crime por estarem ensinando seus filhos em casa. Talvez não haja um equívoco maior do que este...
O abandono intelectual se dá quando os responsáveis por uma criança, simplesmente, lhe negam a possibilidade de receber alguma instrução. Quando a criança não vai para a escola por ter que trabalhar, ou quando é proibida de sair de casa, isso sim é abandono intelectual. Porém, no caso do homeschooling, a criança está sim recebendo “alimento intelectual”.
Um pai ser processado por não mandar o filho para escola devido a uma interpretação da lei poderia ser compreendido, porém, um pai que está ensinando seu filho em casa ser condenado por abandono intelectual chega a ser absurdo.
Além desses quatro pontos, há ainda dois apoios que poderiam ser utilizados ao se montar a defesa de pais que tenham problemas judiciais devido à Educação Domiciliar:

  1. Os documentos oficiais citados anteriormente foram expedidos por representantes do Estado e, por isso, possuem força legal. Diante disso, os pais não poderiam ser condenados a menos que esses documentos fossem analisados e desqualificados pelo próprio Estado;
  2. Há um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 444/09) apresentado com o objetivo de regulamentar a Educação Domiciliar no Brasil. Uma vez que não há, ainda, uma legislação específica para essa modalidade (nem proibindo, nem permitindo explicitamente), poderia ser sugerido que o processo fosse interrompido e retomado somente após o resultado da análise e votação desse Projeto de Emenda Constitucional – afinal, a aprovação ou não dessa Emenda determinaria o que seria permitido ou não com relação ao homeschooling.

Caso nenhum destes argumentos surtam efeito, os pais devem levar o processo para a próxima instância. Caso seja necessário, levem o caso para frente, progressivamente, até chegar ao Supremo. Não desistam! Recorram de todas decisões, se for necessário. Sabemos como as brechas da legislação, muitas vezes, beneficiam pessoas corruptas, então, por que não utilizá-las para uma boa causa? Peçam recurso sobre recurso, apelem para quem for necessário. Devemos agir dentro da lei, mas utilizando todos os recursos que ela nos oferece!
Por fim, gostaria de dizer que, se pararmos para analisar, perceberemos que não é interessante ao Estado gastar tempo e recursos processando grande parte da população por estarem ensinando seus filhos em casa. Hoje, vemos pessoas sendo julgadas e condenadas por isso, mas não são muitas. Imaginem se 100 ou 200 família estivessem sendo julgadas por causa do homeschooling... Isso seria uma grande dor de cabeça para o Estado. E, se cada uma dessas famílias levasse os processos até a última instância, utilizando todos os recursos possíveis, com certeza nossos políticos perceberiam que seria mais prático simplesmente regulamentar a modalidade em nosso país (foi exatamente isso que ocorreu nos EUA).
Sei que sofremos do mal da falta de memória política, mas parem e pensem um pouco... Lembrem-se de quantas leis foram modificadas porque em seu primeiro estado deram muito trabalho ou requiriram muito custo do Governo...

Poslúdio
Pessoalmente, creio firmemente que os pontos apresentados aqui poderão ser de grande valia para todos que estão ensinando seus filhos em casa ou pretendem fazê-lo. Mas, caso você realmente tenha problemas legais, não desanime nem se desespere. Busque auxílio de bons advogados e de outras pessoas que, como você, são adeptos da Educação Domiciliar.
E um último ponto que gostaria de abordar: não se cale! Muitas vezes, estamos com tanto medo de sermos expostos e reprimidos pelo Estado, que nos calamos, nos escondemos e fingimos que não existimos. Os políticos olham para o país e dizem: “Por que deveríamos legalizar esse tal de homeschooling? A população não tem interesse!”.
Não sou favorável a movimentos radicais ou revoluções violentas, mas sou sim a favor de sermos ouvidos, de sairmos da toca e mostrarmos que estamos aqui – e que somos muitos!
Seja por preocupação legítima ou por interesse político, nossos governantes só vão nos atender se virem que estamos aqui. Então, de forma anônima ou não, mostre que você quer Educação Domiciliar no Brasil.
Independentemente de sua visão política, desconsiderando totalmente as divergências filosóficas, seja lá quem forem nossos Deputados, Senadores e Presidente, eles precisam saber que estamos aqui, que gostaríamos de mudanças, e que essas mudanças não irão refletir meramente na esfera pessoal e particular, mas numa transformação social que será benéfica para toda a nossa amada nação.
Obrigado por seu apoio e pela paciência ao ler tudo isso!
Um forte abraço!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Conclusões da Pesquisa

O objetivo da pesquisa relatada nas últimas postagens foi dar uma resposta satisfatória à questão “Quais são os principais entraves e as vantagens em relação à implantação do ensino domiciliar no Brasil?”. Portanto, diante dos dados coletados e das análises realizadas, acredita-se que a resposta objetivada foi alcançada.
Ao explicitá-la, optou-se por apresentar as conclusões da presente pesquisa através das respostas encontradas para as questões de pesquisa delimitadas quando da elaboração do projeto que culminou com o presente trabalho.
Com relação à primeira questão, considera-se que a educação domiciliar consiste, caracteristicamente, em uma modalidade de educação que não contempla o espaço escolar, realizando suas atividades na residência do próprio aluno (ou em outros espaços alternativos), sendo os pais deste os agentes idealizadores, mantenedores e direcionadores do processo de ensino-aprendizagem.
Quanto à segunda questão de pesquisa, a legislação brasileira não apresenta qualquer impedimento à implantação da modalidade domiciliar de educação. Entretanto, não possui qualquer regulamentação relativa a esse tipo de ensino, o que impediria qualquer cidadão de receber certificação por ter completado seus estudos através do ensino em casa.
Respondendo ao terceiro questionamento norteador, constatou-se, também, que fora do Brasil desde a década de 70 vem sendo realizadas pesquisas no campo pedagógico que dão consistência teórica aos argumentos daqueles que defendem o homeschooling. Autores (como John Holt) têm se dedicado a embasar de forma consistente as práticas domiciliares de educação em países como EUA e Japão. Entretanto, há de se ressaltar que tais estudos não têm contemplado a realidade brasileira. Dessa forma, apesar da produção científica estrangeira, percebe-se a carência de embasamento teórico para a aplicação da modalidade no Brasil.
Por fim, contemplando a última questão de pesquisa, foi perceptível que os benefícios levantados pelos simpatizantes da educação domiciliar são corroborados pelas experiência práticas pesquisadas. Afinal, a flexibilidade do ensino, a proximidade dos pais, a autonomia no aprendizado e o maior controle dos conteúdos apresentados (dentre outras vantagens apontados) foram constatados, tanto nas respostas dos ex-alunos domiciliares submetidos a questionário, quanto na experiência de educação domiciliar acompanhada pelo autor desta pesquisa.
Dessa forma, responde-se ao problema de pesquisa afirmando que os principais entraves para a implantação da educação domiciliar no Brasil são: a falta de certificação da instrução por parte do Estado; a demanda por um currículo e material didático adequados às exigências da modalidade; e a necessidade de um cuidado maior com a socialização dos filhos-alunos. Enquanto as principais vantagens são: maiores possibilidades de adaptação ao contexto; melhor atendimento das necessidades do aluno; maior contato com os familiares; e um maior desenvolvimento da autonomia intelectual e da atitude pesquisadora.
Diante disso, conclui-se que a educação domiciliar pode ser aplicada no Brasil, demandando, todavia, um esforço da comunidade científica na direção de propiciar aporte teórico adequado para a prática, bem como do Estado em regulamentar a forma mais adequada de incorporar essa modalidade às possibilidades de instrução oficial, permitindo o reconhecimento e a certificação para quem tenha optado por ela.
Apesar de se considerar as respostas encontradas satisfatórias, ressalta-se que a presente pesquisa buscou, como o próprio título denuncia, um estudo geral sobre o tema em questão, contemplando o assunto em termos de amplitude, e não de profundidade. Dessa forma, sugere-se pesquisas posteriores direcionadas para as questões mais específicas do tema, como: o desenvolvimento de um currículo específico; a produção de material didático adequada; as possibilidades de criação de uma instituição educacional reguladora das práticas de ensino domiciliar; formas de avaliação da aprendizagem dos filhos-alunos; capacitação para os pais-mestres; possibilidades de acompanhamento pedagógico por parte de profissionais formados em nível superior; dentre outros.
Por fim, espera-se que a presente pesquisa tenha esclarecido diversas questões concernentes ao assunto, dando uma visão geral sobre o tema e despertando o interesse de outros pesquisadores no sentido de dispensar esforços na elaboração de outros trabalhos que contemplem a temática. Permitindo, assim, a inclusão do Brasil nessa discussão atual e que vem permeando pesquisas em vários países.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Elementos integrantes do processo educacional e a Educação Domiciliar (Formação do Educador)

Formação do Educador
A complexidade que envolve o processo educativo é inquestionável, assim como a necessidade de uma série de competências básicas para o direcionamento de um processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, é imperativo que haja uma formação específica (se possível, em nível superior) para aqueles que pretendam atuar como profissionais da educação.
Neste sentido, ao analisar a proposta da educação domiciliar para o Brasil, percebe-se uma situação incômoda. Os pais, que deveriam assumir a responsabilidade pela instrução de seus filhos, em sua maioria não possuem formação pedagógica compatível com a função que deveriam ocupar.
No caso dos ex-alunos domiciliares pesquisados, todos afirmaram que seus pais-mestres haviam concluído, pelo menos o segundo grau.


Ambos os meus pais tinham 2o grau completo” (Ex-aluno A).


O Ex-aluno B afirma, ainda, que seu pai também possuía ensino superior: “Meu pai tem Mestrado em Teologia e Psicologia”.
Por fim, ressalta-se a resposta do Ex-aluno C, que relata uma instrução específica para a educação domiciliar por parte de seus responsáveis: “Todos tinham o segundo grau completo e também tinham feito um curso para nos ensinar em casa”.
Poder-se-ia considerar o ingresso dos pais em curso superior para receber instrução didático-pedagógica específica. Porém, essa possibilidade demandaria tempo e investimentos consideráveis, tornando-se proibitiva para a maior parte das famílias.
Já a proposta de um curso mínimo para que os pais possam instruir seus filhos se mostra uma opção bastante interessante. Entretanto, essa capacitação deveria ser bem direcionada, com uma fundamentação pedagógica consistente e rica, tanto teórica quanto praticamente. Ressalta-se, ainda, que o tempo e o esforço que deveriam ser direcionados para tal atividade, tal qual o caso da educação superior, poderiam inviabilizar essa opção para a maior parte da população (não se descartando, porém, sua possibilidade – sugerindo-se mais estudos a respeito).
Uma terceira opção se apresenta mais realista e com uma potencialidade maior para sua efetivação: seguindo a proposta de instituições reguladoras para a educação domiciliar, estas poderiam (ou deveriam) disponibilizar de pessoal especializado, com formação pedagógica direcionada para a capacitação e auxílio dos pais que optem por educar seus filhos no lar. Dessa forma, os pais poderiam receber um direcionamento adequado para suas práticas mediante o aconselhamento de pedagogos formados, sem custos adicionais – desde que a instituição em questão seja, como já proposto, sem fins lucrativos.
Entretanto, essa possibilidade demandaria uma formação acadêmica característica, ou, pelo menos, uma capacitação posterior específica para o direcionamento em questão, uma vez que não se trata das práticas docentes e de gestão que, em geral, os cursos superiores contemplam1.
Dessa forma, sem maiores subsídio teóricos ou práticos para discutir o assunto, e dada a complexidade do tema em questão, vota-se por um estudo específico sobre a temática, buscando-se aportes relevantes para a construção de conclusões mais consistentes sobre a formação necessária para a educação domiciliar (seja para os pais, seja para instrutores pedagógicos).
1Tal possibilidade se mostra interessante, também, por constituir um novo nicho de mercado: o direcionamento pedagógico para pais. Esta opção permitiria a geração de um grande número de empregos, guardadas as proporções da demanda que poderia vir a existir.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Elementos integrantes do processo educacional e a Educação Domiciliar (Socialização)

Socialização


Pedagogos e psicólogos afirmam que as crianças que não frequentam a escola ficam com deficiências na competência social e na capacidade de resolver conflitos” (A POLEMICA das crianças que estudam em casa, [199-], p. 1).


Lado-a-lado com a questão legal, o relacionamento interpessoal é o fator mais utilizado para criticar a proposta da educação domiciliar. Afinal, como se pode perceber pela citação acima, vários estudiosos afirmam que não mandar uma criança para a escola eqüivale a privar o sujeito de um contato social imprescindível para seu desenvolvimento.


É na escola que os jovens aprendem a lidar com as diferenças e situações do dia-a-dia, como a competitividade. Esse espaço, na verdade, funciona como uma minisociedade, onde se aprende a conviver com gente boazinha, chata, boba, mandona” (CORREIO BRASILIENSE apud BOUDENS, 2002, p. 10).


Vicária (2006) também questiona se a proposta de instruir as crianças em casa não caracterizaria uma forma de segregação. Além disso, a autora cita a existência de especialistas que criticam o excesso de proteção dado pelos pais em um ambiente de educação domiciliar.
Outro autor que comenta sobre o problema da sociabilização é Demócrito Reinaldo Filho. Segundo ele, aqueles que são contrários à modalidade domiciliar de educação argumentam que “as crianças que passam períodos prolongados em casa com seus pais podem ter suas relações afetadas com outras crianças ou adultos, tornando-se isoladas e arredias". (REINALDO FILHO, 1999, p. 1).
Essa inquietação com o desenvolvimento social também é demonstrada por alguns pais, como se pode perceber através do seguinte trecho retirado de um texto de Julio Severo:


Os pais dão várias razões para não dar educação escolar em casa aos seus filhos. Acham que não têm tempo nem condições financeiras. Ficam com medo de dar um passo tão “radical”. Mas, mais que tudo, se preocupam com o fato de que seus filhos terão dificuldade de se relacionar socialmente (SEVERO, 2005, p. 8) (Grifo nosso).


A preocupação caracterizada pelos exemplos citados tem base teórica consistente, pois parte de pressupostos das teorias psicológicas do desenvolvimento mais bem aceitas dentro do campo pedagógico nos dias atuais, a saber: o Construtivismo de Jean Piaget e o Sócio-Interacionismo de Lev Seminovich Vigotsky.
A primeira destas teorias tem como princípio norteador a noção de que a evolução psíquica de um indivíduo tem por base estruturas biológicas e cognitivas de existência prévia. Na medida em que o sujeito amadurece, essas estruturas vão se desenvolvendo, permitindo um aprendizado cada vez mais elaborado, e a aquisição de habilidades psíquicas mais complexas.
Com relação ao papel do contato social, Piaget


distingue dois aspectos no desenvolvimento mental. O primeiro refere-se ao aspecto psico-social, que compreende tudo o que a criança recebe do ambiente exterior, ou seja, o que ela aprende por transmissão familiar, escolar e educativa em geral. O segundo diz respeito ao aspecto psicológico (espontâneo), isto é, ao desenvolvimento da inteligência propriamente dita, às formas que a criança deve elaborar por si mesma (PALANGANA, 2001, p. 137).


Neste sentido, apesar da espontaneidade relativa à inteligência, a interação da criança com adultos e outras crianças se torna essencial para seu desenvolvimento mental. Segundo Palangana (2001), essa sociabilização desencadeia processos de desequilíbrio, assimilação e acomodação, culminando com uma equilibração majorante1, necessária para o incremento cognitivo em qualquer etapa da vida do sujeito.
Vale, ainda, ressaltar a postura de Piaget ao afirmar que o contato social da criança não pode ser restrito aos indivíduos mais experientes (adultos ou crianças mais velhas) ou a seus pares (outras crianças em idade aproximada), mas que deve contemplar ambas as formas de relacionamento como necessárias ao desenvolvimento pleno.


[…] a criança se socializa mais, ou de modo diferente, com os seus semelhantes do que com os adultos. Onde a superioridade do adulto impede a discussão e a cooperação, o companheiro dá ocasião a essas condutas sociais, que determinam a verdadeira socialização da inteligência. De maneira oposta, onde a igualdade dos companheiros impede a questão ou a interrogação, o adulto está a sua disposição para responder (Piaget apud PALANGANA, 2001, p. 146).


Vigotsky dá uma ênfase ainda maior ao papel do social na formação da mente (e do sujeito como um todo). Na realidade, este pode ser considerado o postulado mais característico da teoria vigotskyana.
Segundo o autor, enquanto ocorre a troca de experiências entre indivíduos que se relacionam,


um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a tenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos (VIGOTSKY, 2000, p. 75).


Palangana (2001) afirma que Vigotsky considera o fator biológico como determinante para o comportamento humano em suas primeiras formas. Entretanto, esse comportamento se apresenta meramente reativo. Mas é no constante contato com as pessoas mais experientes que a criança começa a desenvolver as formas de comportamento mais complexas, que caracterizam o ser humano. Para Vigotsky, “a natureza humana é, desde o início, essencialmente social: é na relação com o próximo, numa atividade prática comum, que os homens, mediados pelos signos e instrumentos, se constituem e se desenvolvem enquanto tal” (PALANGANA, 2001, p. 149).
Em que pesem as particularidades de cada teoria, ambas dão uma importância significativa à interação dos sujeitos para o desenvolvimento de sua personalidade. Dessa forma, não há como negar que, partindo dos pressupostos teóricos apresentados, a educação domiciliar pode fazer com que o desenvolvimento psíquico do aluno se torne deficiente.
Uma vez privada do universo social oferecido pela escola, mantendo o restrito contato com sua família, a criança teria seu desenvolvimento comprometido, podendo sofrer danos e prejuízos profundos.
Entretanto, deve-se considerar que essa questão, apesar de ser um complicador, não impede a aplicação de uma instrução não-escolar. Afinal, com efeito, a escola não é o único ambiente no qual as trocas sociais acontecem.
Deve-se, em qualquer instância, ter em mente o cuidado de não se permitir que a instrução no lar “feche” a criança no microverso familiar. Para que isso não ocorra, há inúmeras possibilidades de ações de cunho socializador que permitiriam o contato e as trocas necessários para o desenvolvimento infantil.
Para uma visão mais prática sobre o assunto, passa-se a relatar as respostas dos ex-alunos domiciliares submetidos à questionário.
Diante da questão: “Você acha que teve problemas com falta de sociabilização? Por quê?”, o Ex-aluno A respondeu da seguinte forma: “Não. Apenas não segui o ‘padrão’ na sociabilização. No meu ‘mundo’ haviam colonos, kaingangs, americanos, chineses, brasileiros de todas as origens, e tantos outros. Creio que a minha sociabilização foi mais completa”.
Já o Ex-aluno B afirmou o seguinte: “Eu acredito eu tive um pouco. Mais pela questão de eu ser filha única e morar em um lugar em que não tinham mais pessoas que estudavam da mesma maneira. Mas sempre fiz amizades e brinquei com crianças da minha idade nos finais de semana”.
Como pode-se perceber, a falta de contato social que pode surgir devido à natureza do ensino doméstico é relativa, considerando-se as possibilidades de integração em outros espaços e momentos.
Em outra questão, o Ex-aluno A ainda afirma que ele e seus irmãos (e, até, primos) estudavam juntos, no mesmo espaço. Dessa forma, havia uma certa interação também durante o período de ensino.
Essa realidade não é a mesma do Ex-aluno B, que estudava sozinho, mas constitui uma outra possibilidade de contato/interação social (considerando-se, é claro, que não deve ser a única).
Com relação ao aluno domiciliar assistido durante esta pesquisa, as observações demonstram que não parecem haver problemas relativos ao convívio social. A dinâmica familiar em questão é bastante movimentada, contando com constantes visitas (sejam essas feitas ou recebidas pela família). Além disso, há um grande envolvimento em atividades religiosas, o que permite um contato considerável da crianças com outros sujeitos da mesma idade, bem como de faixas etárias diversas.
Por fim, considera-se as relações com outros familiares (mais ou menos distantes). Os laços consanguíneos apresentados deixam transparecer relações afetivas fortes, o que culmina com um constante contato relativo à primos, tios, avós, etc.
Diante disso, acredita-se que, até o momento, tais atividades têm se constituído como eficientes desenvolvedores da sociabilidade do aluno domiciliar observado, caracterizando-se como suficientes para um bom processo de desenvolvimento sócio-afetivo.
Em suma, a socialização é essencial para o desenvolvimento de qualquer indivíduo, e deve ser considerada com cuidado redobrado em um ambiente de educação domiciliar – uma vez que uma proposta de formação não-escolar, se mal direcionada, pode ocasionar a segregação da criança e, consequentemente, prejudicar seriamente sua construção psíquica. Entretanto, essa necessidade pode ser suprida através outros meios que não a educação institucionalizada.
Finalizando, dentre as ações que podem ser utilizadas como fornecedoras do contato social necessário a cada sujeito, sugere-se:


  • atividades comunitárias – rua do lazer, festas populares, trabalhos voluntários (compatíveis com a idade da criança), etc.;
  • atividades esportivas – torneios amadores, competições interbairros, escolinhas de futebol/vôlei/xadrez…, etc.;
  • atividades em espaços públicos – praças, parques, ginásios, centros comunitários, etc.;
  • visitas – não somente a outros integrantes da comunidade, mas a asilos, locais de trabalho (dos pais ou outros), corpo de bombeiros, etc.;
  • atividades culturais – C.T.G’s, grupos de danças típicas, grupos de resgate cultural/étnico, etc.;
  • atividades religiosas – participação em atividades eclesiásticas, escolas dominicais, etc.;
  • atividades em conjunto com outras crianças instruídas em casa – há, ainda, a possibilidade de se reunir alguns “alunos do lar” para que, juntos, assistam a uma aula “especial”, ou para que façam trabalhos/pesquisas em conjunto.


Essas são somente algumas das possibilidades existentes para promover o contato social entre as crianças instruídas em casa, porém, já demonstram como é possível realizar esse trabalho sem déficit no desenvolvimento dos sujeitos.
Para maiores esclarecimentos, sugere-se, mais uma vez que estudos específicos sejam realizados sobre essa matéria, trazendo uma maior consistência teórico-prática com relação às opções para um desenvolvimento social sadio dos alunos domiciliares.
1Essas categorias elaboradas por Piaget dizem respeito ao “conflito” resultante do contato do sujeito com conhecimentos novos ou com a necessidade de habilidades que ainda não possui, o que permite a obtenção de níveis mais elevados na forma de pensar e lidar com o mundo.
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